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Dos Delitos e Das Penas. Fichamento Comentado. (Primeiros Capítulos)

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Na influente obra Dos Delitos e das Penas , habilmente escrita pelo renomado autor italiano Cesare Beccaria, os leitores são convidados a explorar os fundamentos da justiça criminal e a questionar a eficácia e a humanidade das punições tradicionais. Na edição especial da Mafra Editions, este tratado revolucionário ressurge com toda a sua análise crítica e visão progressista, convidando os leitores a considerar as questões da lei, da punição e dos direitos individuais. Através da argumentação lógica e persuasiva, somos levados a refletir sobre a relação entre o crime, a pena e a sociedade. A Mafra Editions nos brinda com uma edição cuidadosamente concebida de Dos Delitos e das Penas , enriquecendo a experiência de leitura com detalhes que destacam a importância histórica e a relevância das ideias de Cesare Beccaria. Nas suas páginas intelectualmente trabalhadas, os leitores encontram um exame profundo das falhas do sistema penal da época e uma defesa apaixonada da humanidade e da proporcionalidade nas punições. A habilidade argumentativa de Beccaria é realçada por esta edição, transformando-a em um tesouro literário que continua a influenciar o pensamento sobre justiça e direitos humanos, enquanto explora temas de criminalidade, reabilitação e a responsabilidade do Estado. Nesta edição especial da Mafra Editions, Dos Delitos e das Penas ressurge como um chamado à reforma e à reflexão sobre o sistema judicial. Ao examinarem as análises perspicazes de Beccaria, os leitores são convidados a reconsiderar as práticas punitivas e a buscar abordagens mais justas e humanas. Através da argumentação contundente e racional de Beccaria, a obra permanece tão relevante quanto sempre, convidando-nos a questionar as políticas criminais, a equidade e o papel da sociedade na prevenção e reabilitação dos infratores. Dos Delitos e das Penas continua a ser um marco na história do pensamento jurídico, incentivando-nos a buscar uma abordagem mais humanitária e eficaz à justiça criminal.


ÉTICA

PRINCIPAIS CONCEITOS


Dentre os vários ramos da filosofia, a Ética é aquele que estuda o que é considerado moralmente bom ou mau, certo ou errado. Embora tenham suas diferenças conceituais, a palavra ética e a palavra moral têm a mesma origem etimológica. O vocábulo grego “ethos” e o vocábulo latino “moral” significam hábitos e costumes.


A Ética ainda é definida como o conjunto de valores ou padrões através dos quais um indivíduo entende o que é certo ou errado e faz suas escolhas. Como uma maneira exclusiva de expressar o pensamento, leva à ideia de uma moral universal, o que significa a maneira adequada e universal da conduta humana, definida através de princípios válidos para todo pensamento adequado e saudável.


Cabe mencionar que a ética é também representada por um conjunto de normas e regras que regulamentam o comportamento de um grupo particular de pessoas, ou de uma categoria profissional, como advogados, médicos, psicólogos, etc. Comumente, esses grupos de profissionais têm seu próprio código de ética, que normatiza suas ações específicas.


A ética se assemelha à moral, com a diferença de que, no caso da ética, as normas de comportamento se direcionam a grupos específicos de pessoas, enquanto que a moral está ligada mais intrinsecamente às normas gerais e individuais de costumes, cultura, religião e época de uma sociedade. Nesse conceito de ética cabem as expressões “ética da política”, “ética da empresa”, “código de ética”, ou ainda “comitê de ética para pesquisa com seres humanos”.


Em suma, a ética é um conjunto de princípios e regras que têm a finalidade de determinar as obrigações e condutas a serem seguidas por um grupo de pessoas e profissionais de uma determinada área. Está mais relacionada às atitudes externas da pessoa do que àquilo que o indivíduo intrinsecamente acredita ser correto ou não. Está mais relacionada às regras de conduta social que precisam ser seguidas, independentemente da vontade ou convicções pessoais do indivíduo.


A ética, na esfera política, por exemplo, traz o preceito de honestidade, o que exige uma escolha ou conduta moral para se ser honesto e ter uma atitude ética.


As normas estabelecidas nos códigos de ética têm base na moral já legitimada pela sociedade. O filósofo Kant definiu como pressuposição de sua moral a condição de livre escolha, sendo que esta escolha está fundamentada na razão. Entretanto, até mesmo a razão é relativa, pois o que pode ser razoável para alguns indivíduos pode não ser para outros.


Os conceitos de ética não se resumem somente à racionalidade, precisam ser mais dinâmicos e abrangentes do que nos conceitos de Kant. Mas entende-se que, mesmo que os conceitos de ética sejam complexos, amplos e variáveis, diferenciando-se da moral, eles, ainda assim, estão muito ligados aos valores previamente determinados. As ideologias religiosas, por exemplo, não podem ser conceituadas como ética, mas sim como moral, pois não se baseiam nos preceitos da ética, que são a percepção dos conflitos, a autonomia e a coerência.


O pensador e filósofo Aristóteles é o criador da filosófica da Ética. Em sua Ética, ele preocupa-se com o bem humano, que deve estar acima de tudo. Esse bem, de acordo com Aristóteles, é determinado por dois fatores. Um deles é a natureza humana, que é constituída de vários elementos materiais ligados à alma, chamada por ele de “psyché”, ou seja, a psique humana, a consciência. Outro elemento é o conjunto de situações fáticas, as quais os gregos chamavam de ocasião. No entendimento de Aristóteles, a política tem o objetivo de proporcionar o bem da coletividade e a ética o bem pessoal.


Nota-se que a Ética é uma ciência não exata, uma vez que trata de assuntos e conceitos que se modificam ou podem se modificar com o passar dos séculos. O comportamento ético – ou a ética – acontece na relação do dia a dia com o outro. Para Aristóteles, a razão é a principal característica humana.


A Ética tem o fim de estudar o comportamento humano para garantir a convivência social pacífica. Em quaisquer sociedades sempre haverá dilemas que envolvem a moral. Esses dilemas são nada mais que o reflexo das atitudes das pessoas, e aparecem quando, perante uma circunstância, um indivíduo ou um grupo de indivíduos age de modo contrário àquilo que a sociedade em geral determinou como comportamento adequado para a situação em questão.


Vale ressaltar que o comportamento humano é o produto dos valores nos quais se acredita, e estes valores sempre se modificam e se transformam com o passar das décadas. As coisas são e sempre foram assim ao longo da história da humanidade. Em termos gerais, isso significa que certas coisas que já foram consideradas amorais, a partir de certo momento da história humana, podem passar a ser encaradas como comportamentos corretos e de acordo com a moral coletiva.



MORAL

PRINCIPAIS CONCEITOS


Para Kant, a moral é correspondente a uma razoável realidade da psique. Para o filósofo, apenas pode ser moral a ação que se inspira por um imperioso determinante, sendo assim originária de um dever incondicional. Para Kant, a moral exige que o indivíduo moral se sinta fortemente compelido a agir de acordo com normas e regras já preestabelecidas. Para ele, sua atitude é uma necessidade, não sendo somente possível ou provável. A moral assim é, portanto, um bem em si mesmo.


O questionamento do que seria certo ou errado consistiria no estudo da filosofia moral, ou seja, discutir o que seria uma virtude e o que seria maldade nas ações humanas.


Em outras palavras, a moral é um sistema de valores individuais do qual se originam as regras de conduta que são consideradas adequadas por uma determinada sociedade. Por exemplo, dessas regras que derivam de um sistema de valores morais individual pode-se mencionar os mandamentos bíblicos, os Códigos nos quais as leis estão dispostas, como o Código Civil e Penal, dentre outros.


A moral pode ser individual ou coletiva, ou seja, uma ou mais regras que passam a caracterizar a lei moral ou os seus códigos. Normalmente essas regras morais têm por finalidade reger e determinar um conjunto de comportamentos individuas e/ou coletivos, direitos ou deveres da pessoa e de determinada sociedade em determinado local.


Como mencionado em seção anterior, a moral está mais relacionada aos valores individuais, àqueles intrínsecos ao indivíduo ou a um grupo de indivíduos em específico. O contrário da moral é a imoralidade, ou seja, aquilo que é imoral, como esclarece o Dicionário Online da Língua Portuguesa. Segundo este, a palavra imoral significa: “contrário à moral, às regras de conduta vigentes em dada época ou sociedade ou ainda àquelas que um indivíduo estabelece para si próprio; falta de moralidade; indecoroso, vergonhoso”.


Segundo apresenta o dicionário, um dos significados de imoral é tudo aquilo que é contrário aos valores e regras de conduta que um indivíduo acredita que devam ser seguidas, ou seja, aos seus valores pessoais, ainda que estes valores e regras não sejam seguidos por todas as pessoas pertencentes à mesma sociedade. Outro ponto demonstrado pelo dicionário é que essas regras morais podem ser pertencentes ao indivíduo ou grupo de indivíduos de uma determinada época, o que significa que certos preceitos de moral podem se modificar ao longo da passagem do tempo.


A moral também está relacionada com as regras e normas impostas por uma autoridade, e assim são arraigadas nas decisões de conduta do indivíduo. Pois, para que sejam executáveis, torna-se necessário que estas normas ou leis sejam impostas por alguém que tenha autoridade, seja esta autoridade Deus, o juiz, ou qualquer outra pessoa que tenha autoridade, de modo que, uma vez que essas normas sejam desobedecidas, a autoridade tem o direito de castigar aquele que as desobedeceu. Assim, em caso de desobediência, esta autoridade terá o direito de castigar ou repreender o infrator.


Essencialmente, são cinco as normas de moral: não matar, não gerar dor, não tornar inábil, não retirar a liberdade ou oportunidades, não privação do prazer.


Segundo pensadores, geralmente as proibições nos códigos morais vêm precedidas das palavras não, deixando claro que todos devem refrear suas vontades e desejos instintivos tidos como imorais para que a estes não seja infligido o devido castigo.


Como mencionado anteriormente, quanto à distinção entre a ética e moral, a moral é algo mais intrínseco a cada ser humano ou a determinado grupo de indivíduos. O que pode parecer certo para determinado indivíduo pode não parecer certo para outro, o que pode ser considerado moral para uma pessoa pode ser considerado imoral para outra pessoa, ainda que esse algo em análise não esteja codificado em nenhum código de ética e nem seja proibido por nenhuma lei escrita.


Por exemplo, um determinado grupo de pessoas pode achar imoral uma mulher ou homem andarem seminus em uma praia, como quando se faz uso de biquínis ou trajes parecidos, mas, para a maioria das pessoas na sociedade ocidental, essa prática não é imoral. Em certos países do Oriente Médio, por exemplo, o simples fato de uma mulher mostrar as pernas, os braços, ou mesmo os cabelos, é considerado imoral.


Em certos países da Europa, como na Espanha, por exemplo, é comum e aceita a prática do topless (deixar os seios à mostra) em determinados locais e praias, pois esta prática não fere a ética e a moral coletiva de tais países, ainda que vá contra a moral individual de muitas pessoas que consideram essa atitude imoral, mesmo não sendo proibida por lei. Em muitas tribos indígenas e africanas, as mulheres ficam normalmente com os seios à mostra, sem qualquer tipo de problema, portanto vê-se que a moral é intrínseca e subjetiva a cada indivíduo ou grupo de indivíduos.


Na filosofia grega tem-se o conceito de moral como sendo uma busca constante pela felicidade ou pela vida boa. Ser um indivíduo moral significaria utilizar sua inteligência para encontrar as melhores maneiras de alcançar uma vida feliz e plena.


O filósofo Aristóteles diferencia a racionalidade moral prudencial, que é a aplicada para os meios adequados para se atingir o fim último de todos, e racionalidade técnica calculista, que é aquela aplicada para usar meios em vista de fins exatos. Destaca-se que, entre os gregos, existiram desacordos sobre a forma de entender a felicidade, isso porque os hedonistas defendiam a felicidade como prazer, e os eudemonistas defendiam a felicidade como sendo a autorrealização. Para os hedonistas, a razão moral é calculista porque se trata de calcular prazeres.


Um exemplo prático do que pode ser considerado moral ou imoral, de acordo com os preceitos, costumes e valores individuais e coletivos, é o fato dos índios ou outras tribos não usarem roupas dentro de sua comunidade. Os indivíduos dessas tribos convivem uns com os outros completamente nus e se respeitam, portanto não veem como imoral o fato de não usarem roupas. Entretanto, para a moral coletiva, é sim um ato imoral alguém andar sem roupas na cidade, em um centro urbano, por exemplo. Nesse mesmo contexto, a exemplo da moral intrínseca, menciona-se o fato de que, para um grupo de pessoas, religiosos ou não, a prática do nudismo nas praias é algo imoral, ou seja, o fato de várias pessoas ficarem sem roupas umas diante das outras atenta contra seus conceitos pessoais de bons costumes e de decência. Já para os indivíduos adeptos do nudismo não há nada de imoral em sua prática, estes entendem-na como um direito, como uma liberdade de expressão.


Em suma, a moralidade consiste em adequar as próprias vontades e intenções e ações aos preceitos universais da razão que a natureza a todos proporcionou. Para Kant, a moralidade tem que ir além da perspectiva naturalista, precisa seguir a razão, porque, para ele, a moralidade é justamente ir além das tendências da natureza.


Diante da variância dos preceitos de moral que mudam de acordo com a sociedade na qual o indivíduo está inserido, a moralidade não possui um conceito definitivo dentro da história e realidade humana, visto que as próprias concepções de moral se modificam de acordo com a sociedade e a época pela qual a humanidade está passando, sendo, portanto, algo em constante transformação.


JUSTIÇA

PRINCIPAIS CONCEITOS


Primeiramente, cabe relembrar o conceito de Direito. Direito é aquilo que é íntegro, honrado, aquilo que é justo, reto e que está de acordo com as leis. É também um ramo das ciências sociais que estuda o conjunto de leis e regras que determinam as condutas humanas na sociedade. É o que compete a cada um. É, assim, objeto da virtude e da justiça, como, por exemplo, o direito à vida, à liberdade, à dignidade, etc.


Dito isto, parte-se para o conceito de justiça, que é igualmente amplo, além de relativo. Um dos significados mais primordiais de justiça é de que esta corresponde a dar a cada indivíduo o que lhe pertence.


Este significado de justiça se confirma a partir das ideias de Edouard Cuq e Del Vecchio, que corroboram tal conceito de justiça elaborado por Ulpiano, o qual diz: “Justitia est constans et perpetua voluntas jus suum cuique tribuendi”, ou seja, justiça é a virtude ou a vontade firme e perpétua de dar a cada um o que é seu.


O ser humano, desde os primórdios das civilizações, se preocupou em praticar a justiça em suas relações sociais. A grande questão sempre foi saber como colocar em prática aquilo que não tem uma definição única. Essa dificuldade de conceituar o que seria justo, o que seria a justiça, fez com que apenas algumas civilizações antigas pudessem aplicar a sua justiça baseada em seus princípios advindos de seus costumes e hábitos.


É importante ressaltar que cada povo, cada nação, ainda hoje, define de modo diferente o que é justiça. Os hábitos, costumes, religiões e ideologias de cada sociedade terminam suas leis e o que é e o que não é justo. Para Jaime (1992):

“Hoje, entende-se por Justiça a aplicabilidade eficiente e correta das leis vigentes em um determinado país. Um Juiz faz Justiça quando, imparcialmente, sem propender emocionalmente para esta ou aquela parte, aplica os preceitos legais cabíveis naquele caso em pauta.”


Note-se que esse entendimento do que é justo e do que é injusto se modifica com o passar dos séculos. Por exemplo, em várias sociedades da antiguidade, era considerado justo que uma pessoa que tivesse dívidas e não as pagasse fosse preso, condenado à morte, à escravidão ou à servidão.


Atualmente, praticamente em todas as sociedades, escravizar alguém por dívida não é considerado justiça, aliás, o ato de escravizar alguém, seja por qualquer motivo, é algo condenável pelos direitos humanos, ou seja, não é algo justo.


Outro exemplo a ser citado para que se entenda que o conceito do que é justo se modifica ao longo do tempo é que hoje, conforme a atual legislação brasileira, é justa a prisão do devedor de alimentos, ou seja, aquele que não paga pensão alimentícia pode ser colocado em reclusão por até noventa dias, ainda assim, não como medida punitiva, mas como medida coercitiva. Pode ser que, daqui a séculos ou poucos anos, a prisão do devedor de alimentos seja considerada algo injusto, contra a lei.


Isso porque o ser humano tem a sua moral e sua consciência transformadas constantemente ao longo dos séculos. Assim, as civilizações mudam seus valores, suas concepções, seus conceitos, a princípio de modo individual, chegando ao coletivo através da transmissão aos seus descendentes dos novos costumes e formas de pensar.


Pode-se ainda considerar que atualmente, na era da tecnologia, essas mudanças de ideias, conceitos e transformações de condutas e valores acontecem muito mais rápido, tendo em vista que as formas de pensar são transmitidas quase que de modo instantâneo.


Na Antiga Grécia, por exemplo, a justiça dividia-se em duas maneiras, sendo que a primeira maneira dizia que a justiça era um bem político que emanava do Estado, e a segunda dizia que a justiça era uma virtude individualizada intrínseca aos seres humanos, e que esta se revelava nos hábitos e costumes de cada indivíduo.


De acordo com as palavras de Aristóteles: “A atividade do homem (na ética, o seu agir) revela e ao mesmo tempo constitui o seu modo de ser (o seu caráter), explicitando-se a circularidade constitutiva entre ser (estar constituído com um determinado caráter) e o agir.”


Na citação do filósofo Aristóteles, é conceituada a justiça individual, enraizada em cada ser humano. Houve grande influência das ideias gregas na justiça romana. Essa justiça era representada pela deusa Iustitia, que ficava em pé e de olhos vendados para demonstrar a ideia de imparcialidade, mostrando que todos são iguais perante a lei. Ela ainda segura uma balança que representa a busca pela igualdade e equilíbrio entre as forças envolvidas. Ainda há a espada, que denota a atuação rigorosa para imposição da decisão justa. Deste modo, os romanos intencionavam alcançar a prudência, o equilíbrio e a harmonia entre o que seria o ideal e o que realmente existe de concreto.


Kelsen (2001) explica que “se o Estado é uma comunidade, é uma comunidade jurídica. Na condição de comunidade, ele é a ordem jurídica da qual dizemos, de maneira não perfeitamente correta, que constitui a comunidade. Quem poderia negar que o Estado é uma ordem social? E, se essa afirmação for aceita, que outra ordem, além da ordem jurídica, poderia ser o Estado se – expresso na linguagem usual – é essencial ao Estado ter, estabelecer ou aplicar uma ordem jurídica?”


Em termos gerais, pode-se dizer que Justiça é a característica do que é justo e correto, como o respeito à igualdade de todos os cidadãos, por exemplo. Origina-se etimologicamente do termo em latim justitia. É o princípio básico que garante a ordem social por meio da preservação dos direitos em sua forma legal.


Sendo assim, a Justiça é realizada e aplicada pelo Direito, e sua é a transformação social que deve se direcionar para a construção de uma sociedade justa, livre, solidária e fraterna, isenta de preconceitos, livre da pobreza em todos os sentidos e sem desigualdades sociais.


DO CONTROLE SOCIAL

A ORIGEM DA PUNIÇÃO E A NECESSIDADE HUMANA DE PUNIR


A história do Direito Penal é dividida nos períodos vingança privada, vingança divina, vingança pública, humanitário e científico. Por esse motivo, os estudos sobre a evolução histórica do Direito Penal precisam ser feitos de maneira independente, ou seja, à parte dos conceitos penais de cada época em específico.


Nos tempos da antiguidade, a vingança privada era uma prática comum, uma vez que as punições eram sempre impostas como forma de vingança, de modo que prevalecia a lei do mais forte. Destaca-se que as penas dentro deste contexto tinham um forte caráter reparatório.


No contexto da autocomposição, ou seja, dessa vingança de cunho pessoal, praticada pelo ofendido com o intuito de sanar a lide e reparar o dano, a pena não era proporcional ao delito praticado, uma vez que o ofendido não obedecia à regras nem parâmetros, assim não era obedecido o princípio da proporcionalidade, uma vez que a aplicação da pena obedecia apenas aos interesses do ofendido ou de sua família.


É importante saber que as civilizações do antigo Oriente tinham em sua legislação penal a característica da natureza religiosa, ou seja, suas leis penais vinham de sua divindade. Nesse contexto, o ofensor tinha que ser castigado para que a ira de seus deuses fosse aplacada e pudessem obter assim a benevolência de sua divindade.


Referente às penas na Roma e Grécia antigas, estas possuíam também natureza sagrada, como mostram as obras de tragédia grega. Todavia, tempos depois, as penas passaram a se tornar públicas e sua severidade variava conforme a espécie do crime cometido. A pena surge, assim, como a consequência de um ato considerado ilícito pela lei. E o Direito Penal moderno é o mecanismo responsável por serem as penas e as medidas de segurança as consequências jurídicas do delito cometido.


Deste modo, as penas impostas como consequências dos delitos são o resultado mais relevante dos crimes, uma vez que a pena é a privação ou limitação de determinados bens jurídicos. Essa pena é estabelecida pelo sistema jurídico que possui a competência para tal.


Várias são as teorias que procuram justificar os fins e fundamentos das penas existentes. De maneira didática, as penas dividem-se em três categorias: as penas absolutas, as relativas e as unitárias.


As penas absolutas se originam do idealismo alemão, especialmente da teoria do filósofo August Kant. Neste contexto, a existência da pena ocorre somente pelo fato de o delito ter sido praticado, e sua finalidade é apenas a retribuição do mal causado à vítima.


Deste modo, a visão das teorias que abarcam as penas absolutas alega como base da aplicação da pena a exigência da justiça, defendendo o pensamento de que a pena é o mal justo que vem para punir o mal injusto praticado, ou seja, o delito.


Para o filósofo August Kant, a pena é algo imprescindível, e uma consequência natural do delito, sendo assim, é uma retribuição jurídica, porque do mal da pena resulta a igualdade, e apenas esta igualdade pode trazer a justiça.


Neste contexto apresentado, a pena imposta gera uma compensação do mal e promove uma reparação moral ao ofendido. A pena, assim, é uma exigência da ética, não podendo haver qualquer caráter ideológico nela. Já para o filósofo Hegel, a pena anula o crime, dando a esta um caráter de reparação jurídica, e não simplesmente ética.


Nota-se que, nesse ínterim, a pena possui apenas o caráter retributivo, ou seja, tem tão somente a finalidade de retribuir o mal causado pelo infrator, pelo autor do delito, de maneira que não há a menor preocupação com a pessoa do delinquente. Nessa linha de pensamento, a pena é a retribuição do mal injusto, cometido pelo delinquente, pelo mal justo predito dentro do ordenamento jurídico.


Mas as penas têm ainda, por finalidade, além de retribuir o mal praticado, prevenir a prática do crime de um modo geral e especial. O modo de prevenção geral acontece porque, uma vez que todas as pessoas na sociedade saibam que a prática de certos atos poderá resultar em uma punição, se sentirão intimidadas e não praticarão o ato delituoso. Já o modo de prevenção especial acontece porque este promove a readaptação – bem como a segregação social – do criminoso, de maneira a impedi-lo de cometer novos crimes, mantendo-o em reclusão.


Esse entendimento de que a pena tem também o objetivo de prevenir se enquadra dentro das teorias relativas ou preventivas que possuem nesse fim as bases das penas, ou seja, dão fundamento à existência da pena na necessidade de se evitar que o crime seja praticado futuramente pelos indivíduos. Nesse caso, não é uma questão de apenas satisfazer e realizar a Justiça, a pena aqui é uma ferramenta preventiva de garantia social que visa evitar as práticas dos crimes. A pena tem, portanto, caráter e fins preventivos e é de utilidade para toda a sociedade.


É assim chamada de prevenção geral intimidatória porque intimida ou coage os indivíduos a não praticarem o delito. Pode ser a prevenção geral negativa ou prevenção geral positiva ou integradora.


A prevenção geral negativa é aquela que intimida o potencial praticante do delito. Ela gera um temor nos membros da sociedade que os impede de praticar o ato criminoso, deixando-os, assim, afastados da prática dos delitos por medo da punição que poderá lhes sobrevir. É chamada também de exemplaridade, e tem como foco todos os indivíduos que fazem parte da sociedade. Por outro lado, a prevenção geral positiva consiste no reforço da consciência jurídica da lei, resultando nos efeitos de aprendizagem, confiança e pacificação social.


Assim se difere da prevenção especial, que age diretamente sobre o indivíduo que cometeu o crime e tem a finalidade de evitar que este volte a cometer crimes no futuro. Neste contexto, prevalece a ideia de que pena justa é pena necessária.


Em suma, a prevenção geral é voltada para a sociedade como um todo, ao passo que a prevenção especial é direcionada somente ao indivíduo em si.


As penas criminais possuem também, hoje, um caráter ressocializador, ou seja, têm o objetivo de ressocializar o criminoso e reeducá-lo para que este seja futuramente reintegrado à sociedade como uma pessoa de bem e não volte a cometer crimes.



FICHAMENTO: DOS DELITOS E DAS PENAS COMENTADO

Introdução

Na introdução da obra, o autor já inicia explicando o propósito da lei, que deve ser de proporcionar a igualdade social e a justiça; explica ainda que os tipos de penas devem ser revistos; e também que a sua aplicação deve ser conforme a época e a sociedade, pois disto depende a eficácia das penas.


Comentário


A constituição brasileira prevê que todos são iguais perante a lei, merecendo todos direitos como a liberdade, igualdade, segurança. Todavia, cabe destacar que não é isso que ocorre na prática.


Especialmente na atualidade, as palavras do autor se encaixam perfeitamente com a realidade vivida pela maioria da população brasileira. A desigualdade econômica e o privilégio dado a determinados grupos sociais são evidentes. O abandono social do poder estatal para com a população provoca a proliferação da miséria e da pobreza, principalmente da pobreza intelectual.


Neste momento em que as transformações sociais e tecnológicas ocorrem cada vez mais rápidas, as penas impostas aos criminosos devem ser revistas e reavaliadas, principalmente no que diz respeito às penas de prisão em regime fechado. Há certos crimes que seriam suficientemente punidos apenas com pena pecuniária, com o confisco do patrimônio do criminoso, por exemplo, em todo ou em parte.


A constituição brasileira proíbe as penas de morte e de tortura. Na atual sociedade, a mera pena privativa de liberdade já se mostra quase que completamente ineficaz para prevenir o crime e punir o criminoso, visto que os escândalos de corrupção do governo, assassinatos e tráfico de drogas são crimes que se proliferam de modo devastador, demonstrando que as penas impostas para esses crimes já não intimidam aqueles que os praticam e se mostram ineficientes também para proporcionar a reeducação do delinquente. Assim, é nítido que o sistema de punição e combate ao crime na sociedade atual brasileira deve ser reformado, conforme já comenta Beccaria na introdução de sua obra.



CAPÍTULO 2

Origem das penas e do direito de punir

Beccaria, Cesare. Dos Delitos e Das Penas. 1764


O direito de punir tem uma origem específica e um limite. Acima desse limite ocorre o abuso de poder, e não a justiça [50].


Comentário


Cabe ao Estado o direito de punir. A liberdade de cada indivíduo é restringida para que o bem alheio seja preservado. O conflito de interesses surge a partir do momento que um bem é disputado, ou mesmo um direito.


Uma vez que o Estado foi criado para resguardar os direitos naturais, o direito penal não deve ir além da proteção destes limites. Para que uma conduta seja considerada crime, é necessário que os direitos reconhecidos no contrato social sejam violados, ou seja, é necessário que aquilo que a lei reconhece como um bem jurídico seja lesado de maneira culposa ou dolosa. Segundo Rudolph (2003):


“O Estado é considerado como decisão conjunta dos homens e por certo com o objetivo de assegurar a maior liberdade possível para todos os cidadãos. A única tarefa legítima do Estado, portanto, era a proteção dos direitos de seus cidadãos e dos seus próprios para a realização de seus fins, definidos no contrato social. Como núcleo material de todo delito aparece, conforme isso, a lesão de direitos subjetivos.”


Um dos maiores princípios limitadores da intervenção do poder do Estado vem do Iluminismo: o princípio da legalidade. Para o filósofo Locke, o Poder Legislativo é o poder competente para criar as leis, e ainda esse órgão legislativo deveria satisfazer a vontade e necessidades dos cidadãos, assegurando-lhes a proteção e justiça:


“A autoridade legislativa, ou suprema, não pode arrogar-se o poder de governar arbitrários extemporâneos, mas está obrigada a dispensar justiça e a decidir acerca dos direitos dos súditos por intermédio de leis promulgadas e fixas, e de juízes conhecidos e autorizados. Tanto o poder absoluto e arbitrário como governo sem leis e estabelecidas e fixas não podem ser compatíveis com os fins da sociedade e do governo.”


Assim demonstra o pensamento do filósofo Rosseau. A visão iluminista trata a lei como uma fonte única e unificadora do direito, e busca principalmente os direitos humanos. Neste contexto, a lei deve ser diferenciada pela abstração e generalidade:


“Quando digo que o objeto das leis é sempre geral, entendo que a lei considera os súditos como corpo e as ações como abstratas, jamais um homem como um indivíduo nem uma ação particular. Assim, a lei pode muito bem estatuir que haverá privilégios, mas não pode concedê-los, especificamente, a ninguém; a lei poderá criar várias classes de cidadãos, designar mesmo as qualidades que darão direito a essas classes, mas não pode designar tais e tais para serem admitidos; ela pode estabelecer um governo real e uma sucessão hereditária, mas não pode indicar um rei ou designar uma família real; em uma palavra: toda função que se refere a um objeto individual não pertence ao poder legislativo.”


Em se tratando da limitação do poder do Estado em seu direito de punir, o pensamento do filósofo Montesquieu afirma o seguinte em sua teoria da separação dos poderes:

Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade, pois se pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado apenas estabeleça leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Não haverá também liberdade, se o poder de julgar não estiver separado do poder legislativo e do executivo. Se estivesse ligado ao Poder Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse lição ao poder Executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor.


Tais pensamentos tinham a finalidade de libertar os cidadãos da opressão e contrariedades do poder do Estado Absolutista. Essa foi uma das principais ideias do período iluminista.


Em suma, pode-se dizer que o movimento do Iluminismo reconhece a existência de direitos intrínsecos aos seres humanos, bem como que a concepção contratual do Estado significa definir suas leis em favor dos indivíduos para assegurar sua liberdade. Isso quer dizer que é preciso garantir aos seres humanos seus direitos naturais contra o arbítrio estatal. Assim, as penas devem ser limitadas a promover a justiça e o equilíbrio social, e nunca devem ser abusivas.


CAPÍTULO 3

Consequências desses princípios

Beccaria, Cesare. Dos Delitos e Das Penas. 1764


Cabe ao legislador que representa toda a sociedade formular as leis penais.

O juiz deve aplicar a lei de maneira equilibrada e justa, sem abusos. A punição cruel é uma atitude reprovável, e simplesmente por ser considerada inútil tem seu caráter repugnante reconhecido.


COMENTÁRIO


O juiz ou magistrado tem a incumbência de resguardar o patrimônio social e individual aplicando a lei de maneira justa e equilibrada. A legislação brasileira prevê que cabe ao poder legislativo formular as leis penais, isso por tal poder representar toda a sociedade, que desde muito é ligada por um contrato social.


O juiz é figura neutra, capaz de enxergar com mais clareza e razão as causas do conflito, decidindo, assim, de maneira mais sábia, a quem concederá o direito pleiteado.


Sobre o tema, Bodin de Moraes enfatiza que:


“A aceitação racional das decisões judiciais deve ser guiada pela qualidade dos argumentos levantados e que a chamada ‘constitucionalização’ não pode funcionar como um pretexto a conferir ao magistrado carta branca para decidir conforme suas convicções pessoais.”


Nos últimos anos, através das mídias de comunicação, tem-se notícia de que muitas vezes as penas aplicadas são arbitrárias ou injustas. Vive-se hoje uma época em que há uma certa liberalidade no poder julgador dos magistrados, através do qual os mesmos passam a tomar suas decisões com bases por demais decisionistas, ou seja, levando cada vez mais em consideração o gosto do julgador.


O que se ressalta aqui é que nem a vontade nem os conhecimentos do juiz são um passe-livre para que este julgue de maneira arbitrária, nem de modo a contrariar os princípios de justiça, imparcialidade e igualdade.



CAPÍTULO 4

Da interpretação das leis (pp. 21-24)

Beccaria, Cesare. Dos Delitos e das Penas. 1764


Não cabe ao juiz interpretar a lei. A lei deve ser sólida para que o magistrado simplesmente a aplique sem a necessidade de interpretação, e sem variações. Esse método evitaria a injustiça.


COMENTÁRIO


Para Beccaria, uma lei consistente não permite lacunas, proporcionando que, assim, o magistrado aplique a pena de modo imparcial, neutro, sem tender a agir conforme suas próprias ideologias. Entretanto, esta não é nem nunca foi uma realidade entre as legislações de todo o mundo, principalmente do Brasil.


As lacunas na lei atual exigem que o magistrado interprete a lei e se utilize da analogia para julgar e tomar suas decisões. Diante de uma sociedade que se transforma de modo radical a cada dia, em face das evoluções da tecnologia e das mudanças de pensamento, quanto mais passa-se o tempo, novas situações surgem no cotidiano das pessoas que vivem em sociedade, situações essas antes não pensadas nem imaginadas, mas que são fatos com os quais a lei tem que lidar.


O magistrado precisa estar preparado para julgar uma situação inédita ou crime que é cometido de uma maneira nova, através, por exemplo, do uso de uma nova tecnologia antes desconhecida.


A analogia consiste em utilizar uma lei ou jurisprudência já existente para julgar um fato novo, adaptando as normas ao caso concreto. O juiz não pode se eximir de decidir sob a justificação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico vigente.


Há cerca de cem anos, o autor Maximiliano tratou do tema com as seguintes palavras:


“A aplicação do Direito consiste em enquadrar um caso concreto em uma norma jurídica adequada a um fato determinado. Submete às prescrições da lei uma relação da vida real, procura e indica o dispositivo adaptável a um fato determinado. Por outras palavras: tem por objeto descobrir o modo e os meios de amparar juridicamente um interesse humano. O Direito precisa transformar-se em realidade eficiente no interesse coletivo e também individual. Isso se dá, ou mediante à atividade dos particulares no sentido de cumprir a lei, ou pela ação, espontânea ou provocada, dos tribunais escritos ou consuetudinários. Assim resulta a aplicação, voluntária quase sempre, forçada muitas vezes.”



Como bem esclarece o artigo 8º do Código de Processo Civil:

“Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.”


Deste modo, no julgamento da lide, cabe ao magistrado aplicar as normas legais; não as havendo, a analogia, os costumes e os princípios gerais do Direito.


Como a ideia de Beccaria, seria mais prático e menos arriscado se existissem leis concretas que abarcassem todos os fatos e situações do dia a dia, mas, como já mencionado, com as constantes transformações sociais e evoluções tecnológicas, é quase humanamente impossível criar leis que prevejam todas as situações.


Todos os dias surgem novos fatos e comportamentos sociais cujas práticas a lei não determina se são lícitas ou ilícitas, não prevê se haverá uma punição ou uma reparação, não prevê o que o juiz deve decidir diante de tal circunstância. Assim, cabe o uso da analogia para a promoção do bem-estar e ordem social. Ainda cabe destacar que, com o passar do tempo, esses fatos podem passar a ser previstos em lei, de acordo com as exigências da sociedade.


Mafra Editions, Jamila Mafra & BECCARIA


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